Alguns sonham com reinos futuros, paraísos distantes, mas Geovane já tinha o seu: era uma árvore, em frente de casa. Embaixo dela, mesinhas, bancos, cadeiras. Ao redor, os muitos amigos da vizinhança, gargalhando das suas piadas, ouvindo causos, despistando a tristeza e passando o tempo. A mini mercearia ao lado, aberta por ele mais pra distrair que para fazer dinheiro, cumpria a missão com louvor.
O temperamento suave, o humor contagiante e a maneira leve de olhar e de viver a vida eram seu cartão de visitas. E quem chegava não queria ir embora. Foi assim desde pequeno, em Olho d’Água das Flores, sertão de Alagoas. Órfão de mãe aos 10 anos, sem conhecer o pai e caçula de seis irmãos, virou o menino de recados da cidade e usava o carisma e a esperteza para tirar uns trocados.
Geruza, cinco anos mais nova, espiava a rua com a sua mãe, ambas admiradas com a tenacidade daquele garoto. Poucos anos depois seriam respectivamente esposa e sogra de Geovane que, um pouco mais crescido, mas com apenas 17 anos, decidiu ir para São Paulo encontrar emprego e estabilizar a vida para a chegada da mulher.
Os cinco filhos nasceram na nova cidade, onde ele já trabalhava como lavador de carros, vendia churrasquinho após o trabalho e já tinha até um novo amor: o Corinthians. O coração, porém, ficou na terra natal, para onde o casal ainda retornou duas vezes, na última delas para passar uma década. Ser conhecido no vilarejo ajudava a ganhar dinheiro levando para lá as novidades da cidade grande, como raspadinhas e esfirras.
Otimista incorrigível, nunca deixou de fazer planos. Com o coração debilitado, aos 80 anos, ainda soava como o jovem de 17 que veio para São Paulo atrás de uma ideia. “Geruza, vou comprar um terreno em Olho d’Água e fazer uma casa para fulano, beltrano e sicrano” — voltar em definitivo para o sertão foi o sonho que o peso da realidade não permitiu que se realizasse.
Mas a esperança inquebrantável e a capacidade de tirar os obstáculos da frente enterneciam amigos e também sua família, que o paparicava em resposta. Vô Godão, Tata e Goducho eram alguns dos apelidos que ganhara dos netos e bisnetos, assim como cortes de cabelo, um bom café passado e massagens quando os filhos o visitavam.
Geovane se foi, levado por um enfisema pulmonar. Seus cinco filhos, sete netos, seis bisnetos, amigos e vizinhos ficaram com memórias, com as histórias e principalmente com as lições de alguém que teve coragem de encarar de peito aberto a vida e escolher o que ela tem de melhor