Nas páginas da Bíblia consta que a mulher sábia edifica o lar, mas Verdirema foi muito além. A trajetória de cuidado começou aos 12 na roça para alimentar os quatro irmãos mais novos e a mãe doente após a morte do pai. E terminou como matriarca, com nove filhos, 33 netos, 32 bisnetos e até um tataraneto. Todos criados a partir do esforço incansável de construção de um legado de carinho e de amor.
Era uma mulher da terra, acostumada com a rotina de bóia-fria mantida até os 49 anos em Belmonte, no sul da Bahia. Nasceu no mesmo vilarejo onde foi apresentada ao também lavrador Alcides, com quem casou sem conhecer direito e com quem permaneceria unida por quase 50 anos. Os filhos vieram todos lá. Nesses tempos difíceis, em meio às colheitas de café e de cacau típicas da região, dormiam no mesmo cômodo, sobre camas de capim.
Quando faltava comida para tantas bocas, era com a barriga doendo de fome que fechava os olhos para começar tudo de novo antes de o sol raiar. E ainda assim, longe da escola e também de esgoto e de água tratada, alegrava-se ao vê-los crescendo com higiene, saúde e dignidade. Também nunca pisara numa sala de aula, mas ainda assim, por força de um intelecto curioso, sabia ler, escrever e fazer contas.
Sabia também transformar a penúria em sorriso e a escassez em abundância. A casa, pequena, sempre esteve aberta e cheia de amigos e conhecidos. Era solícita e grata na mesma medida, sua alegria de viver a impedia de reclamar.
Aos 49 vendeu sua parte das terras e veio para São Paulo atrás de trabalho e de condições melhores para a família, no rastro dos dois filhos mais velhos. Trouxe os mais novos consigo, além de Alcides, já doente. Suas crianças puderam enfim estudar enquanto desdobrava-se como diarista, trabalhava em asilos, lavava uniformes de times de futebol de várzea, limpava escritórios à noite e mais o que aparecesse e a ajudasse a criar a todos.
Com a família crescendo ao redor de si usava o pouco tempo entre o banho da noite e a cama, depois de cuidar das crianças, para tricotar roupas para os netos e bisnetos. Não concebia vida sem trabalho como também não a concebia sem religião. Levou a família inteira, até as noras e genros que já a chamavam de mãe, para a Igreja Batista, da qual sempre foi membro. Lá chegou a cantar, não perdia um culto.
Aposentou-se quase aos 70, e anos depois artrite e artrose vieram cobrar a conta de tantas décadas de esforço. Conviveu com a condição que a deixou acamada sem recorrer a remédios e tratamentos. Mas nem pernas tortas e nem joelhos inflamados a contiveram. Seguia lúcida, indo ao banheiro sozinha, dobrando roupas, cortando legumes e frutas, senhora do lar, ciente do local de cada uma das coisas. Os filhos organizavam-se para dar a ela a velhice que merecia.
Sua festa de 97 anos já era planejada, com a família de olho na de 100, quando Verdirema ficou doente pela primeira vez na vida. Uma otite no ouvido direito evoluiu no hospital até dar lugar à infecção que a levou.
A filha Auri abrira mão de tudo para estar ao lado da mãe na velhice. Agora Amilton, o filho que superou uma doença crônica na infância graças à dedicação total de Verdirema, jura cuidar da irmã até o fim da vida. E assim, o ciclo de carinho e amor estabelecido pela matriarca segue vivo.