Clara aprendeu cedo a apreciar os pequenos prazeres com os quais sua longa vida lhe presenteou. Da infância na minúscula e rural Araraquara da década de 30, cercada por nada menos que 10 irmãos e irmãs, à velhice plácida no sítio da filha e do genro em Ibiúna, passando pelo deleite visceral de um bolinho de chuva no ponto exato. Ela reconheceu em tempo a delícia de estar viva.
A vida no interior seguiu seu fluxo natural: o serviço na tecelagem, o casamento com Angelino, a chegada de dois filhos. Foi depois do nascimento das crianças, e também por amor a elas, que o casal decidiu ir para São Paulo atrás de um futuro mais promissor para todos.
Na cidade grande vieram mais dois pequenos e outro emprego em empresa de tecelagem. O respiro da vida corrida do trabalho e da criação dos filhos vinha na indispensável missa de domingo. Dona de uma personalidade forte, não se furtava de dizer o que fosse na frente de quem julgava precisar ouvir. Esconder sentimentos e engolir palavras não era com ela.
Clara ficou viúva aos 56 e mudou-se para uma vila no bairro Belém. Depois de viver no interior e em alguns bairros da zona leste, finalmente encontrara o seu tempo e lugar: a porta de casa aberta, visitas dos bisnetos, estar cercada de gente conhecida… a vida em termos mais seus. Ficar sentada em frente à sua casinha, acompanhada pela inseparável cadelinha Gina, e observando as crianças brincando era outro pequeno prazer saboreado sem pressa.
A paixão por cachorros tornava ainda mais atraente o sítio para onde a filha Ieda e o genro Carlos a levavam quase todos os finais de semana. Se não fosse para ficar curtindo o silêncio à beira da piscina e olhando os bichos correndo o passeio era descer a serra e visitar o apartamento de praia da família, no litoral norte. O bordado ia junto e ela seguiu amando a atividade mesmo no fim da vida, quando os olhos já não tinham a mesma clareza.
Sempre sonhou em andar de avião e realizou o desejo por ocasião de uma inesquecível viagem ao Rio de Janeiro com a família, organizada pelo neto Bruno. Mas nada em sua vida pôde comparar-se à emoção e à alegria de ver a neta Fabíola, de quem tantas vezes cuidou como mãe, se casando.
Clara foi a última dos 11 irmãos a partir, vítima de uma parada cardiorrespiratória poucos meses depois do falecimento de um dos mais velhos. Deixou quatro filhos, sete netos e dois bisnetos e lições importantes sobre estar presente e reconhecer o valor dos pequenos presentes da vida.