2020 tem sido um ano difícil. Muitas coisas tem acontecido e ainda irão acontecer até esse ano acabar. Hoje, eu e minha família perdemos a minha avó.
Ela já não estava bem há algum tempo, e não dá pra dizer que isso é um choque: a gente já esperava que isso ia acontecer a qualquer momento. Mas, ainda assim, é possível se preparar pra isso? Mesmo quando a gente consegue ver vindo a um quilômetro de distância, mesmo sabendo que vamos sofrer um impacto, que a dor é iminente, é possível estar preparado?
Nunca.
Ainda assim, sofremos.
Mas para certas coisas na vida a única saída é enfrentar de frente.
Isso é uma dessas coisas.
Minha avó foi uma mulher complexa. Mãe de dois, foi ausente na criação deles, auto-centrada talvez, uma maneira de existir que causou dor a pessoas ao redor dela. Mas no que ela falhou quando era jovem, ela certamente se esforçou para compensar mais tarde na vida: para nós, os três netos que viveram próximos dela, foi muito boa, e foi muito presente. Teve ainda outros oito, mas viviam distantes, em Belém.
Se eu estou onde eu estou hoje, é graças aos meus pais, que acreditaram em mim e nos meus sonhos, e sacrificaram muito para que e eu e meus irmãos tivéssemos o necessário pra chegar onde chegamos — mas também graças aos meus avós, que fizeram tudo o que puderam para suavizar as durezas da vida.
Se hoje eu posso entrar num shopping aqui na Califórnia e tocar uma sonata de Beethoven, é por que minha avó acreditou em mim quando eu era ainda criança, e me deu meu primeiro piano pra que eu pudesse estudar música — algo completamente supérfluo num país onde a vida era e é difícil pra tanta gente, minha família incluída.
Ela pode ter sido uma mulher dura para algumas pessoas, dona de um jeito autoritário e inflexível em relação ao próprio querer. Mas foi muito amorosa comigo. Muitas vezes eu conseguia percebê-la segurando as lágrimas quando falava comigo ao telefone por causa da dor da distância. Eu cansei de prometer para ela que no ano seguinte conseguiria visitá-la. Cansei de fazer promessas vazias e não conseguir cumprir. Mas ela sempre respondia “Bom, você está se dando bem aí e está feliz. É isso que importa”.
Também ela buscou felicidade na vida. Aos 20 gostava das boates da década de 50, de pular Carnaval. E depois de viajar. Conheceu bem o Brasil, de Fernando de Noronha a Foz do Iguaçu, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, só não foi para o exterior. E, mais recentemente, amava estar na praia.
Eu sinto muito, minha avó. Eu sinto muito que eu não consegui vir tocar piano pra você mais uma vez. Você merecia isso e muito mais. Eu vou sempre me lembrar e ser grato por tudo que você fez por mim, e vou sempre me lembrar que, na vida, nós construímos nossos sonhos em um alicerce fundamentado por pessoas que vieram antes de nós, cuidaram de nós, e acreditaram em nós. Minha avó é parte da minha história, e parte das pequenas, mas ainda assim importantes, conquistas da minha vida. Da fazenda no interior de São Paulo, pra capital da cidade, pra Califórnia, nós fomos longe, juntos.
Obrigado pelo o que fez por mim. Eu jamais vou esquecer. Descanse em paz.
* Homenagem baseada nas palavras do neto Murilo Ferreira
Que coisa mais linda
Revivi tudo novamente
Muito obrigada
Lindo trabalho
Verdade… rígida ao mesmo tempo muito carinhosa, minha saudosa tia Mila… nunca mediu esforços para visitar toda família, principalmente quando tinha alguém doente! Te amarei eternamente tia!! ❤❤❤