No velório de Rosa alguém chegou a perguntar se tratava-se de uma artista, tamanha multidão que dela foi se despedir. Era apenas o justo reconhecimento à pessoa calorosa e dada à bondade e à generosidade que foi em vida. Aos bolos divididos com os vizinhos nas quatro décadas de Guarulhos, assistindo a cidade surgir ao redor do lar construído tijolo a tijolo, os papos no muro, as crianças entrando e saindo das casas.
Mas também aos cuidados com a família no interior de Minas. Era madrinha de quase todos os sobrinhos, mas ajudava com material escolar até quem não era seu afilhado. Conquistara também os sogros, Celina e Idelfonso, para quem tornou-se filha zelosa.
Talvez a propensão para o cuidado desinteressado encontrasse raízes na infância paupérrima em Estiva, interior mineiro. Foi marcada pelo espírito trabalhador da mãe, Izalina, suas longas viagens atrás de lenha para cozinhar, e pelo senso de retidão do pai, Gustavo. Passada a escassez, Rosa fez questão de dividir o que tinha. Quando perguntada por que fazia tanto pelos outros e tão pouco para si, a resposta vinha pronta: “quem não vive nessa terra pra servir não serve pra viver”.
Chegou a São Paulo ainda menor de idade, mas determinada a trabalhar em fábricas para dar uma vida melhor aos pais e irmãos, filha mais velha que era. Raimundo surgiu em sua vida nesse momento. Casaram-se respeitando pudor e tradição, e viveram uma parceria apaixonada. Arianos, se amaram e brigaram a vida inteira.
Foram três as filhas: Rosana, Rosângela e Regiane. Raimundo, consumido pelo serviço e quase sem férias, pediu para que parasse de trabalhar e focasse nas crianças. Rosa as levava e buscava no colégio particular pago com sacrifício, e as fazia estudar, tomando textos e tabuadas. Estudara apenas até a quarta série do primário, mas logrou deixar com o marido um império para as filhas, entre educação e bens materiais.
Quando a última se casou, mudou-se por pressão de Raimundo para Cambuí, próximo a Estiva. Era sonho dele cuidar de galinha, de porco e de vaca. Mas depois que ele teve um câncer na garganta e um derrame, o casal voltou para São Paulo, dividindo o tempo entre a capital e o interior de Minas Gerais. Ela também tinha a saúde frágil, mas cuidava do marido.
Rosa gostava de jogar no bicho, mas pedia perdão a Deus depois. Tinha um propósito, o de ajudar as pessoas com o dinheiro. E ganhava, às vezes uma atrás da outra, suficiente para atrair o olho gordo. Com os prêmios, pôs telhado e piso na casa dos pais, comprou rádio para ele e lençol para ela, reformou o banheiro da sua casa. Fez o que pôde, sem arrependimentos. E sabia estar fazendo o certo.
Em uma virada do destino perdeu Raimundo e sete meses depois sua mãe, Izalina. Essa provação revelou-se mais do que podia suportar. Fragilizada pelo fígado e pelo coração, partiria quatro anos depois. Já tinha sete netos então: Rebecca e Rafaella, Larissa, Rayani, Vinícius e Rafael. Seu pai, prestes a completar 90 anos, tocou violão e cantou em seu velório de artista. “Precisava cantar essa musiquinha porque senão o coração ia explodir”, lembra ele.