João Bezerra de Lima Filho
Fosse arrancando o belo choro de seu surdo nas rodas de samba, conduzindo uma excursão profissional para dezenas ou organizando procissões por seu bairro, João Bezerra de Lima Filho gostava de reunir gente e compartilhar as alegrias da vida, suas paixões e sua fé.
De início, era a alegria de jogar futebol. Queria ser profissional. Mas o futuro de craque das várzea de Cangaíba, na zona leste de São Paulo, onde viveu toda a vida, logo ficou para trás — já na adolescência, por pressão do pai, começou a trabalhar. Ainda assim, a vontade de estar entre amigos fazendo o que gostava era maior que tudo. Não demorou até começar a organizar excursões de ônibus para Campos de Jordão, Poços de Caldas, Santos… João cuidava de tudo, desde o aluguel do ônibus até as festas.
O mesmo se deu com o samba. Era amor demais pela música, precisava dividir com os outros. Ainda jovem, fundou uma ala na escola de samba Nenê da Vila Matilde e desfilou por anos na Vai-Vai. Chegou ainda a sair por outras escolas como Unidos do Peruche — e, uma vez, inesquecível, com o sobrinho André na Imperial. Já nas rodas com a rapaziada ou era surdo de terceira que roncava ou era sua voz que sobressaía, cantando sambas antigos, os clássicos paulistanos que conhecia tão bem.
Também na fé inabalável que tinha em Nossa Senhora Aparecida brilhava a natureza gregária e generosa de João. Todo dia 12 de outubro fantasiava os filhos dos vizinhos de anjo e liderava uma procissão pelo bairro. Ao fim da caminhada dava presentes aos pequenos e servia almoço para todos.
Mas mesmo gostando de estar sempre entre os seus, era só com Claudete que abria o coração. O amor da sua vida chegou ainda na época da Deleu, onde era encarregado de produção. E nunca foi embora, quase três décadas depois — claro, sempre como “namorada”: cada um na sua casa. A decisão de não ter filhos, porém, nada teve a ver com não gostar de crianças. Cuidava dos filhos de alguns dos cinco irmãos enquanto os pais trabalhavam. Nessas horas virava criança também, brincando de bolinha de gude.
Mas não era só o tempo e a alegria que dividia: “ele era um cara muito culto, cheio de informações, antenado em tudo. A vida lhe deu muita experiência e ele passava essas coisas pra gente”, conta o sobrinho Nilton. A perda gradual da visão foi trazendo gradualmente João mais pra dentro. As excursões viraram boas memórias e, já aposentado por invalidez, passou a curtir os Carnavais em casa com a família.
A fé na Santa não foi abalada pela doença, mas passou a ser nutrida pelos programas de rádio, seu grande companheiro, e pelas canções de Padre Zezinho, que uniu seu amor à música com a devoção a Deus.
João foi cedo, aos 54 anos, vítima de uma infecção generalizada originada por uma diverticulite. Deixou sua companheira, cinco sobrinhos e a lembrança do sujeito que amava dividir a felicidade transbordante no peito.
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