Mr. Catra
Wagner Domingues Costa nasceu pobre, cresceu com conforto e morreu estrela. Em apenas 49 anos, o homem que ficou conhecido como Mr. Catra estudou Direito, gravou dezenas de álbuns, fez milhares de shows, embarcou em turnês internacionais, criou 32 filhos e marcou a vida de muito mais gente do que poderia sonhar.
Acolhido ainda bebê na casa onde sua mãe trabalhava e lá tratado como igual, pôde se dar o luxo de sonhar bem mais alto que as outras crianças do Morro do Borel. O conforto de um lar estruturado na rua Dr. Catrambi (daí o apelido) e o “ter de tudo”, privilégios tão desperdiçados, nas mãos dele tornaram-se oportunidades imperdíveis.
Como a de estudar em bons colégios e lá aprender inglês e francês, línguas importantes para os passos que viriam depois. Sua inteligência e curiosidade ainda permitiriam mais tarde absorver noções de alemão e hebraico em suas andanças. Chegou a se debruçar sobre as minúcias do Direito, apesar de não ter exercido a profissão.
Porque foi na música que Catra encontrou parte das respostas que procurava. O passado pouco conhecido como guitarrista da banda de rock O Beco deu lugar ao rap e finalmente ao funk, gênero que ajudou a popularizar de um jeito bem-humorado e do qual se tornaria um dos maiores expoentes por duas décadas.
Aqueles foram tempos intensos. A voz grave e potente, a postura debochada e as letras irreverentes lotavam até cinco shows por dia em todo o Brasil. E ele não demorou a usar seu prestígio para ajudar outros artistas. Tati Quebra-Barraco, Valesca Popozuda, MC Gui e outros devem parte de suas carreiras a essa generosidade.
A célebre intimidade de polígamo desafiava o senso comum, cheia de momentos em família e de carinho e atenção com os 32 filhos, de nove diferentes mães. A convivência pacífica entre as três esposas também era testemunho da funcionalidade do arranjo pouco ortodoxo. A quantidade de shows foi rareando conforme a prole aumentou — era preciso mais tempo em casa.
A intensa religiosidade foi outro aparente paradoxo encarnado e explicitado em vida. Contrapondo a explicitude sexual da sua música existia um homem de fé, particularmente interessado pelo judaísmo desde que visitou Israel, e sem pudores ao falar de Deus reservadamente e até no palco.
E talvez não tenha sido mera coincidência que a figura por trás de tanto fascínio e contradição tenha partido por conta de um câncer no estômago justamente na chegada do Rosh Hashanah, o ano-novo judaico. Bom e doce, se foi como o novo período chegou, segundo a tradição que abraçou com tanto amor. Deixou, além dos filhos e esposas, quatro netos e milhares de fãs órfãos.