Ivanilde encontrou-se também como missionária, unindo religiosidade à vontade de ver o mundo. Certa feita, decidida a visitar a tribo Ticunas, que ajudava financeiramente à distância, partiu aos 68 anos para a fronteira com a Colômbia. O périplo a deixou quase um mês incomunicável — voltou doente, desidratada, cheia de picadas e absolutamente realizada.
Nunca teve medo de ir atrás dos seus sonhos e ajudar os outros, mesmo quando foi incompreendida ou precisou arriscar-se. Foi uma mulher à frente do seu tempo, dessa e de outras maneiras, a começar pelo papel de mantenedora da família, assumido do cair dos primeiros salários até o fim.
Não que o início tenha sido particularmente fácil. Na esteira da infância humilde e após trocar Adamantina por São Paulo com seus pais aos cinco anos, ganhou quatro irmãos. Já nesse momento passaria a cuidar dos seus, primeiro como a mais velha dos filhos e depois como alguém a quem recorriam em caso de necessidade.
Isso porque de funcionária de uma loja de tecido Ivanilde foi aprovada em um concurso para o Banco do Brasil e depois em um processo seletivo para o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, onde trabalharia por três décadas até se aposentar. Formada em contabilidade e amante dos estudos e da sua independência, era uma mulher incomum para a época.
E talvez tenha sido essa uma das características que fascinou Lael quando se conheceram no culto. Ela cantava no coro e ele, um trompetista de formação, regia a orquestra. O marido, um corretor de imóveis, acostumou-se de pronto a ficar em casa quando ela viajava com as irmãs da igreja — lidava bem com isso e também com o fato de que em muitos meses era ela a ganhar mais dinheiro no lar.
Já a única filha do casal, Maely, precisou conviver com a ideia de dividir sua mãe. “O grande legado dela pra mim foi esse, mostrar que o amor só tem sentido se for voltado pro outro”. A maturidade a ajudou a entender esse impulso de Ivanilde em ajudar, em ser útil, e os inevitáveis sacrifícios inerentes a essa entrega. Se ela não podia contribuir financeiramente, arranjava vaga em hospital, cesta básica, o que estivesse ao alcance.
Tinha no jeito calmo e expansivo uma doçura sua, do riso solto à eloquência característica, sempre em voz baixa. E passava o tempo com pinturas, crochês e mais recentemente com o Photoshop. Encantou-se após um curso e passou a fazer cartões virtuais com fotos de amigos e mensagens bíblicas. Versada nos meandros tecnológicos, chegou a criar um perfil no Facebook só para esse tipo de montagem.
A estrada era outra paixão. Amava viajar e ia mesmo que fosse sozinha. Conheceu Egito, Espanha, França, Inglaterra… Por sua causa e também para agradá-la, a família encarou junta cerca de oito cruzeiros diferentes. Era bom vê-la feliz.
Ivanilde descobriu uma leucemia e tudo se passou rapidamente. Ficaram a gratidão de quem foi tocado pela sua generosidade sem limites. À família, deixou um projeto em andamento: a educação formal de Sara, menina da tribo Ticunas que agora estuda na cidade grande, também ela cheia de garra e de sonhos.