Jorge dividia com as cinco filhas um hábito de alto risco: abria aos domingos uma página aleatória de um grosso livro de receitas do mundo todo e preparava o prato que surgisse. Mas não só, falava do povo e da origem da iguaria, uma aula de antropologia e de geografia para as pequenas. O resultado era misto e reclamar era proibido, “pensa que na Índia todo mundo adora essa comida. Se eles comem, vocês também têm que comer”, ouviam elas.
Sem ter como comprovar a veracidade da afirmação ou mesmo a fidelidade da receita, restavam às meninas planos de grampear certas páginas para evitar o risco de repetição. Mais garantido era quando ficava nos pratos do seu país, o Chile. Empanadas chilenas, o variado cachorro-quente de lá e as paellas eram sucesso garantido. Assim manteve a conexão com a terra natal, de onde saiu em meados dos anos 70 em meio à ditadura de Pinochet.
À época já era casado com Tereza, brasileira e melhor amiga de sua irmã, Carmen, com quem dividia um quarto em um pensionato de freiras do Rio de Janeiro. Jorge e sua futura esposa se conheceram através de Carmen no Rio, e dois anos de namoro por cartas precederam outros cinco casados no Chile, antes da mudança. Preparado, Jorge estudara engenharia industrial, administração de empresas e matemática, e recebera uma proposta para trabalhar como engenheiro industrial madeireiro em São Paulo. Tereza abandonaria sua profissão de contadora e cuidaria da casa, de Marília, primogênita chilena, e de Mônica, Cláudia, Daniela e Simone, todas nascidas no novo país.
Para elas foi um pai participativo, calmo e carinhoso. Por vezes difícil de entender pelo forte sotaque da mistura de inglês, alemão, francês, português e do espanhol nativo. Usava o divertido e confuso dialeto oriundo das línguas que dominava para ensiná-las a assumirem responsabilidade pelos próprios atos. Em vez de proibições, acordos. Em vez de bens materiais, conhecimento para trilharem o próprio caminho.
Distraía-se com mergulho certa época, junto com os também amados deveres de membro do Rotary Club. Amava viajar com a esposa, babás e filhas, fossem as longas travessias de carro até o Chile, para passar as festas de fim de ano com a família chilena, ou até a fazenda da sogra, Albina, no interior de Minas Gerais, nas férias de julho. No restante do ano, rumavam para a casa de praia em Caraguatatuba.
Tereza faleceu em 2005. Passados cinco anos, Jorge casou-se novamente, com Maria de Lourdes. A nova companheira já tinha netos, e ele também já contava dois: Enzo e Lucas. Depois veio Luan, seu “pequeno piolho”, a quem curtiu juntamente com seus outros netos enteados.
A saúde começou a sofrer após uma sequência de AVCs. Foram nove no total, e a cada novo incidente ficava mais debilitado. Partiu enfim, deixando na memória de todos seu jeito divertido, de quem perdia o amigo mas não a piada, o companheiro rotário inesquecível, o excelente profissional, o melhor pai e marido que pôde ser.