Pedro foi trazido à tona pelas mulheres de sua vida. Pai de quatro moças, e de um rapaz, conheceu através delas e da esposa o significado e o peso da palavra amor. Mais que isso, foi se abrindo, ainda que aos poucos e meio desconfiado, para esse sentimento e para toda a gama de experiências de alegria e dor relacionadas a ele.
Sujeito às antigas, sempre buscou refúgio na sisudez masculina e com essa máscara de seriedade navegou pela vida. Nasceu em uma família numerosa, mas rapidamente encontrou seu caminho e nele seguiu sem olhar para trás.
O pessoal do bairro Jardim Lenize conhecia aquele homem alto, meio bravo, mas responsável e honesto, como Pedrão Pintor. Em casa cumpria à risca o papel de paizão e de provedor: a esposa nunca precisou trabalhar e nunca ficou sozinha. Apreciador de uma visitinha ao botequim, se fosse preciso estava de pé no dia seguinte às 3h da manhã para pintar paredes.
O carinho e o impulso de cuidar foram ficando mais evidentes também ao longo da convivência familiar. “Fui a filha que deu mais trabalho porque fiquei grávida ainda adolescente. Ele ficou muito nervoso com tudo, mas abraçou a causa e cuidou do meu primeiro filho, que hoje tem 21 anos, como se fosse dele”, conta Patrícia. “Isso foi muito importante na minha vida.”
Se a compreensão foi um dom adquirido na caminhada, o mesmo não pode se dizer da paciência. Não era conhecido por repetir mais de duas vezes o que quer que fosse, encrespava na terceira. Nem a paixão pelo São Paulo escapava porque bastava começar a perder para desligar a televisão.
Era assim, difícil de lidar, também com a esposa, Clarice. Na época Pedro ainda não tinha dimensão consciente do tamanho do amor que carregava por ela. Foi descobrir depois de 50 anos de casado, quando num dia insuspeito decidiu não almoçar em casa para terminar o serviço, e ao chegar no fim da tarde não a encontrou mais com vida.
O choque com o infarto fulminante que a acometeu, ainda nas primeiras horas da manhã, levou também uma parte de si. Nada tinha mais graça, e o carinho dela com a casa e com ele estava além das possibilidades das filhas. Mesmo o mocotó, a dobradinha e o sarapatel preparado por elas não tinham mais o mesmo sabor.
E assim, com o peito carregado de solidão, aquele homem que não havia pisado em um consultório médico em décadas contraiu um câncer. Se sofreu foi calado e uma semana após a última feijoada com as filhas partiu aos 74 anos, mesma idade da esposa. Para os cinco filhos e dez netos, porém, deixou muito: a memória de um sujeito trabalhador e guerreiro, que lutou até o fim e conheceu todas as faces do amor.